Exército treina mulheres em JF para o combate

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Exército treina mulheres em JF para o combate

 

Todos os dias, quando o relógio marca 6h30, os 68 novos alunos do Curso de Formação de Sargentos (CFS) precisam estar de pé nos alojamentos do 10º Batalhão de Infantaria Leve (10º BI), no Bairro Fábrica, Zona Norte de Juiz de Fora. Eles têm 30 minutos para estarem fardados e prontos para começarem suas atividades diárias, entre aulas teóricas e treinamentos práticos, que só se encerram às 21h. Este ano, porém, há um detalhe especial na formação da turma: pela primeira vez na história do batalhão, que completa 100 anos na cidade em 2019, estão sendo formadas mulheres. E elas são a maioria: 45 jovens entre 19 e 24 anos vindas de todas as regiões do país. As alunas se juntam a outras 50 que ingressam na próxima semana no 4º Grupo de Artilharia de Campanha (4º GAC). Todas elas estão sendo formadas para atuarem na linha de frente, no combate, junto com os homens. Além disso, as novas sargentos poderão, também pela primeira vez, se especializar em manutenção de aeronaves do Exército Brasileiro. O ingresso de mulheres no Exército Brasileiro começou na década de 1990, mas, até então, elas só atuavam no magistério e áreas de saúde e administrativa.

Esta é a segunda turma de mulheres que inicia sua formação em Juiz de Fora. A primeira, e pioneira no Brasil, ingressou em 2017 no 4º Grupo de Artilharia de Campanha (4º GAC), no Bairro Nova Era, Zona Norte. Os novos integrantes do Curso de Formação de Sargentos do Batalhão de Infantaria Leve começaram oficialmente sua formação no último sábado (7), com uma solenidade no pátio da unidade. Eles permanecem em internato no Bairro Fábrica durante 34 semanas de treinamento intenso, que inclui prática de tiros e marchas longas. Durante todo este tempo, há uma palavra de ordem: isonomia. Uma das únicas diferenças entre as mulheres e os homens dentro do quartel são os alojamentos, que foram reestruturados para recebê-las. “Tem sido uma experiência extremamente enriquecedora. É uma área em que até então as mulheres não atuavam, mas estão se destacando. A gente só ganha em poder associar as características das mulheres na nossa atividade de combate, elas são mais perspicazes, têm mais sensibilidade. O treinamento é de igual para igual. Elas fazem as mesmas atividades que os homens, o que diferencia é o índice das provas físicas por questões de características fisiológicas”, afirmou o comandante da 4ª Brigada de Infantaria Leve (Montanha), general Carlos André Alcântara Leite, destacando o que lhe chamou a atenção na turma de 2017 do 4º GAC: determinação e vontade de realizar todas as atividades.

A aluna Brenda da Silva, 24 anos, é uma das novas alunas pioneiras no 10º BIL. Natural de Valença (RJ), a jovem abandonou a faculdade de engenharia para batalhar por seu lugar no Curso de Formação de Sargentos, que teve concorrência de mais de cem candidatos por vaga. “Sempre admirei a instituição, e, quando meu irmão ingressou no serviço militar obrigatório, reafirmou no meu coração este desejo. Foi aí que vi que não era só um desejo, era um sonho. Comecei a fazer engenharia, mas tranquei a matrícula para estudar para o concurso do Exército. Dei meu sangue, e hoje estou aqui. Parece que a ficha não caiu ainda. Vou ser a primeira pessoa a seguir carreira militar na minha família. Meus pais estão orgulhosos”, disse.
Filha de militar, Isabella Rezende Carvalho, 20, nascida em São João del-Rei, contou emocionada sobre a entrada dela na unidade onde o pai serviu há 27 anos. “Foi um concurso muito concorrido, temos que estar aqui de cabeça erguida. Eu já arrepiava de ouvir as canções do Exército, agora é minha vez, meu sonho se tornando realidade. Não terá nenhuma diferenciação nossa com os homens, pretendo manter essa igualdade até o fim do curso”, comentou.

Para ajudar as jovens durante as semanas em Juiz de Fora, o 10º Batalhão selecionou instrutoras mulheres. Uma delas é a sargento Kamilla Almeida. Seu treinamento para atuar no Curso de Formação de Sargentos começou em 2016. Para ela, a principal missão será ser um exemplo para as garotas que ingressaram no Exército. “É uma experiência nova, acredito que vai ser gratificante, principalmente por sermos pioneiras. Tudo será novidade, mas nada que não consiga ir aprendendo junto com eles”, disse. Ela vai trabalhar junto com a sargento Bruna Flores, que também pretende ser uma referência para as alunas. A militar acompanhou ano passado parte das atividades com as integrantes do 4º GAC.
Os colegas de curso das meninas também estão animados. Para eles, compartilhar os conhecimentos e anseios com as futuras sargentos será uma honra. “É bom que nossa turma seja a pioneira com mulheres aqui no 10º Batalhão, só agrega”, disse o aluno Helmot Vale Fidelis, 24, que veio de Vitória (ES).

E para quem pensa que os maiores desafios serão aprender a atirar, enfrentar longas marchas e campos de instrução que testam o físico e psicológico à exaustão, está enganada. Para as jovens Isabella e Brenda, o difícil mesmo será ficar longe da família. “No início vai ser mais difícil, depois vamos nos acostumar, mas sempre vai dar saudade de casa. Uma coisa que me surpreendeu muito aqui foi a estrutura para nos receber, tanto física quanto pessoal, superou minhas expectativas”, disse Brenda.

Experiência no 4° Grupo de Artilharia

As jovens que ingressaram no 10º Batalhão têm uma missão especial: concluir o curso em Juiz de Fora tão bem quanto as colegas que as antecederam na primeira turma de combatentes. Em 2017, 66 mulheres ingressaram no 4º Grupo de Artilharia de Campanha (4º GAC). De acordo com o comandante da unidade, coronel Marcelo Brun, 56 delas terminaram o curso. “Estávamos mais preocupados que o necessário com o ingresso das mulheres. Descobrimos, ao longo do ano passado, que elas são capazes de fazer tudo o que os homens fazem nesta linha bélica. E, além disso, as mulheres se destacaram muito na parte de liderança, perseverança. A gente percebia que, quando elas não conseguiam cumprir determinada tarefa, ficavam sentidas. E isso fazia com que elas persistissem até conseguirem. Nossa experiência mostrou que as mulheres estão totalmente aptas a atuarem na linha bélica”, disse o oficial.

Neste ano, o Grupo também receberá alunos. Mais uma vez as mulheres são maioria. Serão 50 alunas e 19 alunos, que já estão em Juiz de Fora. A formação deles tem início no próximo dia 13.

Preparação para receber as alunas

O 10º Batalhão precisou fazer adequações físicas para abrigar as novas alunas. Elas ganharam alojamentos separados dos homens e adaptados para suas necessidades. Assim como para os rapazes, uma das exigências é que o local, mobiliado com camas beliche e armários de aço, esteja limpo e organizado. As camas são milimetricamente arrumadas e nenhum material pessoal pode estar fora dos armários. “O Batalhão vem se preparando faz algum tempo para este momento. A expectativa é que a formação ocorrerá no mesmo nível que é feita desde a década de 1980. Os sargentos formados aqui no 10º Batalhão são reconhecidos por seu alto nível de qualidade. O padrão exigido não terá nenhum tipo alteração. Para nós, é um ganho a vinda das mulheres. É importante até pela peculiaridade da mulher, que elas acrescentem este toque feminino na formação”, disse o comandante do 10º Batalhão de Infantaria, tenente-coronel Guilherme Motinha.

O comandante foi um dos militares que esteve à frente, em 2013, do projeto de entrada das mulheres combatentes no Exército. “Um dos motivos de eu vir comandar o 10º Batalhão foi a preparação que tive. Fui gerente executivo do projeto de entrada de mulheres na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). Fizemos vários estudos sobre o tema junto com o departamento de ensino da instituição e avaliamos as experiências de outros países que já tinham as mulheres combatentes. Conheci de perto o Exército Peruano, fui instrutor das militares lá”, afirmou

O curso

Os objetivos do curso são iniciar a formação do caráter militar, criação de hábitos adequados à vida militar, aquisição de conhecimentos militares, obtenção de reflexos na execução de técnicas e táticas individuais de combate e desenvolvimento da capacidade física. Após o primeiro ano em Juiz de Fora, as alunas podem optar por seguir para Escola de Sargentos de Logística (EsSLog), no Rio de Janeiro, ou para o Centro de Instrução de Aviação do Exército (Ciavex), em Taubaté (SP). Para os homens, há uma terceira opção, a Escola de Sargentos das Armas (EsSA), em Três Corações (MG). Ao término de 2019, essas sargentos estarão à frente de pequenas frações na tropa, como combatentes do Exército Brasileiro na área logística, como intendência, manutenção de comunicações, topografia, manutenção de armamento, mecânico de viatura e mecânico operador.

Instrutor chefe do Curso de Formação de Sargentos e comandante da subunidade escola do 10º BIL, capitão José Paulo Bacchini, destacou que as experiências de escolas que receberam mulheres ano passado ajudaram o Batalhão de Infantaria a se adequar. “Temos uma equipe muito preparada. Uma das coisas que nos preocupamos foi com o programa de treinamento físico. As mulheres têm limitações fisiológicas, e, para ajudar nesta parte, adequamos nossa academia”, disse.

Nesta semana começam as atividades, que serão divididas em aulas teóricas e práticas. Em junho, os alunos participarão da primeira atividade em campo. Eles ficarão acampados em um terreno e participarão de várias atividades práticas. “Partimos do pressuposto que as mulheres estão sendo formadas para fazer as mesmas coisas que os homens, vão executar a mesma função, por isso, precisam fazer as mesmas atividades”, afirmou o oficial.

 

 

Inserção feminina sem distinção

No Exército Brasileiro, assim como nas demais Forças Armadas, o tratamento dispensado a homens e mulheres não tem distinção, com igualdade de direitos e obrigações. Ao contrário das profissões civis, não há diferenciação de gênero com relação ao tempo de serviço para a reserva remunerada. A participação de mulheres no Exército Brasileiro tem precedentes. Em 1823, Maria Quitéria de Jesus lutou ao lado de outros militares pela manutenção da independência do Brasil. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), 73 enfermeiras brasileiras serviram em diferentes hospitais do Exército norte-americano e, em 1992, a Escola de Administração do Exército matriculou a primeira turma de 49 mulheres, inserindo-as no Quadro Complementar de Oficiais da instituição.

O Exército instituiu o Serviço Militar Feminino Voluntário para médicas, dentistas, farmacêuticas, veterinárias e enfermeiras de nível superior (MFDV) em 1996. Naquela oportunidade, incorporou a primeira turma de 290 mulheres voluntárias para prestarem o serviço militar na área de saúde. Essa incorporação ocorreu em todas as 12 regiões militares do país.

Mas, até aqui, as representantes femininas tinham seu campo de atuação restrito a atividades de suporte como administração, saúde e ensino. A novidade está na entrada de mulheres na linha militar bélica. Em 2017, a formação da mulher como oficial combatente foi iniciada na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas (SP), e será concluída em 2021 na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ). Elas poderão alcançar até o mais alto posto da instituição, o de General de Exército.